quinta-feira, 4 de junho de 2009
O Desafio perdurável de Tiananmen
Wang Dan foi um dos líderes estudantis nas manifestações em Tiananmen. Exilado nos Estados Unidos, ele aconselha o governo chinês a tomar quatro medidas para convencer o mundo de que é uma "potência responsável".
in Expresso(Wang Dan, Global Viewpoint Network/Exclusivo Expresso - 9:31 Quinta-feira, 4 de Jun de 2009)
Há duas décadas, em Maio de 1989, eu era um jovem estudante de história de 20 anos na Universidade de Pequim. Em 13 de Junho, o meu nome encabeçava uma lista dos líderes estudantis "mais procurados" do movimento pela democracia de Tiananmen. Fui preso e passei quase quatro anos na cadeia, fui novamente preso em 1995 e depois exilado para os Estados Unidos em 1998.
Acaba de ser divulgada uma autobiografia secreta de Zhao Ziyang, o secretário-geral do Partido Comunista que perdeu uma luta pelo poder contra os conservadores em 1989 e que morreu em prisão domiciliária. Nos seus escritos, Zhao revela a sua convicção de que as nossas exigências por uma reforma económica e de direitos humanos não só eram razoáveis como podiam ter acelerado a modernização da China.
Acreditei então e continuo a acreditar que as reformas que eu e os meus companheiros defendíamos constituem os desafios centrais que moldam hoje o destino da China.
Passaram vinte anos desde as históricas manifestações da Praça Tiananmen a favor da democracia e da liberdade de expressão e contra a corrupção. E durante este tempo, a China mudou substancialmente. As reformas económicas permitiram que milhões de chineses retirassem as suas famílias da miséria, e muita gente na China acha que a sua vida mudou para melhor.
Mas as causas centrais assumidas pela geração Tiananmen, tanto pelos estudantes como pelos cidadãos, continuam por resolver: corrupção, direitos dos trabalhadores, liberdade de expressão e reformas governamentais para responderem às necessidades dos 1,3 mil milhões de chineses.
Hoje na China a corrupção é endémica porque o Partido Comunista Chinês e a sua vasta rede de funcionários continuam acima da lei. Os trabalhadores continuam a ver os seus direitos violados, um problema que provavelmente aumentará à medida que a crise económica mundial afectar as fábricas, mandando para casa muitos milhões de trabalhadores que migraram das suas terras. A censura à liberdade de expressão imposta pelo governo chinês é uma preocupação central, quando o advento da Internet dá voz tanto a jovens como a críticos.
O crescimento económico da China não conduziu à liberdade, a uma imprensa livre ou à democracia. Pelo contrário, tal como aconteceu com Deng Xiaoping e Jiang Zemin antes dele, o Presidente Hu Jintao da China invocou o desenvolvimento económico para justificar a repressão das manifestações de Tiananmen e a manutenção do regime de partido único. Eivado de corrupção, o sistema beneficiou alguns privilegiados, com os secretários locais do partido a tornarem-se milionários de um dia para o outro e a usarem o seu poder político para acumularem grandes somas provenientes dos lucros das empresas estatais.
O momento de maior orgulho da história da China
As nossas manifestações na Primavera de 1989 tiveram eco entre a população chinesa. Em poucas semanas, manifestações joviais e pacíficas tiveram lugar nas principais cidades, envolvendo não apenas estudantes mas também operários fabris, académicos e até funcionários de jornais e estações de televisão controlados pelo Estado. Para mim, foi o momento de maior orgulho na longa história da China. Pela primeira vez na nossa vida, o povo ousava exercer o direito humano mais fundamental de todos: a liberdade de expressão.
Na noite de 3 de Junho, o exército entrou na Praça Tiananmen para a desocupar e a violência militar que se seguiu manchou de sangue mais uma página da história tumultuosa da China. Ainda hoje não sabemos quantas pessoas foram mortas naquela praça. O governo disse que só morreram soldados e alguns cidadãos, mas temos fotografias de centenas de manifestantes trucidados ao longo da Avenida Changan e de corpos jazendo nas morgues dos hospitais de Pequim.
Na última década, vi de longe a China reafirmar o seu papel no palco mundial. O crescimento económico é impressionante. No ano passado, os Jogos Olímpicos de Pequim deram à China o perfil mundial de legitimidade que os seus dirigentes tão claramente desejam. Mas o que dizer da censura aos meios de informação, que contribuiu para o número de vítimas do escândalo do leite contaminado? E a corrupção governamental, que levou a práticas de construção fraudulentas em Sichuan e consequências devastadoras no sismo do ano passado? Ou o fosso cada vez maior entre ricos e pobres?
Estes problemas, todos abordados pelos estudantes da Praça Tiananmen há 20 anos, continuam por resolver. O poder da China está limitado ao "yang" ou "hard power", o poder militar ou económico, ao passo que no século XXI o "yin" ou "soft power", baseado em princípios morais e direitos humanos, é igualmente importante.
O povo chinês anseia não só por benefícios económicos mas também por direitos humanos fundamentais. Um manifesto pro-democracia chamado Carta 08, divulgado online em Dezembro último, já reuniu milhares de assinaturas, apesar de todos os esforços das autoridades chinesas para impedirem a sua distribuição e punirem os seus autores. O eminente intelectual Liu Xiaobo, um dos subscritores da carta, foi detido em Dezembro e continua preso sem justificação legal. Liu, que passou quase dois anos na prisão depois das manifestações de Tiananmen, foi uma inspiração para nós em 1989 e continua a sê-lo hoje.
Por ocasião do 20º aniversário do massacre de Tiananmen, o governo chinês devia tomar quatro medidas, caso deseje convencer o mundo de que é uma "potência responsável". Primeiro, devia pagar indemnizações às mães de Tiananmen que perderam os filhos para sempre. Segundo, o governo devia permitir que eu e outros cidadãos chineses forçados ao exílio pudessem regressar à sua pátria. Terceiro, o governo devia libertar os restantes presos políticos que foram encarcerados por se manifestarem pacificamente na Praça Tiananmen e os presos mais recentes perseguidos pelas suas tentativas de encorajar uma reforma de direitos humanos. Finalmente, os dirigentes chineses deviam aproximar-se dos objectivos de longo prazo partilhados pelos estudantes de Tiananmen e os autores da Carta 08 - estabelecendo o Estado de direito, garantindo os direitos humanos fundamentais e pondo fim à corrupção.
Só então poderá a China começar a virar a trágica página de Tiananmen.
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